segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Duplo grau de juridiquês

Com o intuito de “promover a aproximação da sociedade com o meio jurídico”, em 11 de agosto, Dia do Advogado, a ABM (Associação Brasileira dos Magistrados) lançou a “Campanha pela Simplificação da Linguagem Jurídica”. Todavia, diferentemente do que sugere a campanha, não é apenas o cidadão comum que tem dificuldade de compreender o tradicional e solene linguajar jurídico, mas os próprios magistrados. Exemplo disso é o despacho do desembargador Raul Motta, do Tribunal de Justiça de São Paulo, à comarca de Itu, onde estava preso Gleison Lopes de Oliveira, acusado de participação no assassinato do empresário Nelson Schincariol. Os advogados do réu postularam habeas-corpus e anulação dos testemunhos, alegando irregularidades.

Julgados os pedidos, o desembargador comunicou o veredicto à primeira instância por telegrama. De posse do documento, o juiz estadual José Fernando Azevedo Minhoto manteve os testemunhos e mandou soltar o indiciado. Exatamente o contrário do que dizia a única frase do documento! A “frase” de 135 palavras (cento e trinta e cinco!) foi escrita com a diligência de alguém consciente de que redigia um capítulo da História. Eis o “trecho” da preciosidade que originou mais um erro judiciário:

“(...) Conhecido em parte, na parte conhecida concederam parcialmente a ordem impetrada tão somente para anular o depoimento das testemunhas protegidas pelo provimento CG 32/2000, com reinquirição das mesmas, após as providências constantes do v. acórdão, ficando denegada a pretensão formulada na sustentação ora de concessão de ordem de habeas corpus, de ofício, deferindo liberdade provisória ao paciente, retificada a tira de julgamento anterior, nos termos do pedido hoje ofertado.”

Em entrevista à Rede Globo, o juiz assumiu a responsabilidade, mas tentou justificar o erro alegando ambigüidade do texto: “Na dúvida, interpreta-se sempre a favor do réu. Eu corria o risco de errar como errei, de mandar soltá-lo. Mas não conseguiria passar um fim de semana tranqüilo se eu soubesse que deixei, injustamente, um ser humano - não estou falando réu, acusado, nada disso - preso indevidamente”.

Filólogos, mídia e o próprio TJ respaldaram a alegação do juiz, dizendo que a ordem realmente admitia “dupla interpretação”, havendo quem falasse até em “uso indevido de gerúndio” na cópula “deferindo liberdade provisória ao paciente”. Ora, se a expressão diz respeito à “pretensão formulada” pelos advogados, errado não foi o uso do gerúndio, mas a escolha do verbo, pois quem defere ou indefere é a autoridade. Estaria correto o gerúndio “pedindo”, “solicitando”, “requerendo” liberdade provisória... E malgrado a redação pedante, o texto não dá margem a “dupla interpretação”: diz que o tribunal concedeu “parcialmente a ordem impetrada”, que jamais poderia ser de liberdade provisória, e, sim, de anulação do depoimento das testemunhas, que seriam intimadas novamente (“com reinquirição das mesmas”), devendo ser corrigida (“retificada”) a tira de julgamento anterior, nos termos do pedido da defesa, restando negada (“denegada”) a concessão de habeas-corpus.

Sobre o in dubio pro reo, é instituto cabível em matéria processual quando o julgador tiver dúvidas quanto às provas apresentadas contra o acusado, e Minhoto não estava julgando, apreciando provas nem interpretando a lei, mas cumprindo ordens. A suposta dúvida pairava não quanto à culpabilidade do réu, e sim quanto ao teor do despacho. A fuga do acusado após novo mandado de prisão, expedido dez dias depois, de resto, diz muito sobre sua “inocência”. Portanto, mesmo se houvesse duas interpretações, o juiz, “na dúvida”, não poderia ter emitido o alvará sem antes confirmar a ordem, sob pena de agir com leviandade.

De fato, uma auxiliar da comarca declarou ter telefonado para o TJ a pedido do juiz, que queria confirmar a autenticidade do documento e saber o que fazer com o preso –a atendente confirmou sua soltura. Isso reforça a versão de que o juiz ficara na dúvida sobre o teor do despacho, mas desmente que ele teria agido de acordo com sua “consciência”. Se a ordem de soltura foi confirmada, não há que se falar em “risco de errar” e “assunção da culpa”. Logo, o juiz estaria preocupado não em libertar um ser humano “injustamente preso indevidamente” (sic), e sim preocupado em não se rebaixar publicamente admitindo que pediu ajuda para ler o telegrama. Episódios como esse solapam ainda mais a credibilidade do Judiciário e a investidura de desembargadores como Motta e juízes como Minhoto é uma ameaça à sociedade assim como Lopes, que continua foragido.

(Jornal do Diretório Acadêmico Oito de Fevereiro - Dezembro de 2005)
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segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Ombudsboy internacional

O professor Frederico Sousa nos indicou o site canadense Regret the Error, editado pelo jornalista Craig Silverman. Baseado no livro homônimo, o site corrige diariamente erros perpetrados pela imprensa.

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