sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Nota para a imprensa

Patos de Minas, sexta-feira, 26 de abril de 1996


Embaixatriz. Uma palavra belíssima. Talvez por isso, nos discursos e meios de comunicação, muito se tem dito e escrito sobre as escolhidas para serem as "embaixatrizes do Milho".

A associação que sempre fazem é devida às funções diplomáticas que as candidatas a Rainha do Milho têm de desempenhar.

Mas embaixatrizes NUNCA são escolhidas. Embaixatriz é a mulher do embaixador. Assim como nunca se elege a primeira-dama _ mas elege-se a presidenta ou a governadora _ as candidatas são as embaixadoras do Milho.

Só haveria embaixatrizes do Milho se houvesse embaixadores do Milho, título que não existe.


Manoel Almeida
ombudsboy@gmail.com

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Novos franquenstáins

Lia-se numa invejável revista de circulação nacional o título “Novos mouses”, anunciando os aparelhos então lançados. A despeito de “NOVOS MICE” ser o título correto, a repetição midiática do termo força-nos a concluir que “mouses” seja uma variação do próprio inglês –um neologismo para um novo produto. Ledo engano. Na língua inglesa, tanto o singular mouse (leia-se “maus”) quanto o plural “mice” (leia-se “mais”) são comuns aos pequeninos ratos e aos periféricos de computador. “Mouses” não é vocábulo inglês e muito menos português. A revista flexionou uma palavra estrangeira usando os critérios de nossa gramática! Algo como escrever “babby-dóis” em vez de “babby-dolls” ou “lobbys” em vez de “lobbies”. Poderia ter sido pior, claro, com o possessivo (apóstrofo “s”) no lugar da desinência, uso muito freqüente: TV’s, CD’s, mouse’s etc.

A mesma editora há muito adotou, à revelia, o gênero feminino para o grama (“uma grama de ouro”), seguindo “a regra do bom senso”. Será que a revista simplesmente aderiu à forma “mouses” por burrice ou porque julga que seus bem-informados leitores são demasiado simplórios e incapazes de assimilar certas nuances? Vejamos. As palavras estrangeiras incorporadas ao nosso idioma mantêm sua forma original (outdoor, kitsch, lingerie...). O plural delas também, por mais estranho que pareça. É o caso da italiana “paparazzi” (plural de paparazzo), da alemã “blitze” (plural de blitz), das latinas “quanta” e “campi” (plurais de quantum e campus) e da hebraica “Kibutzim” (plural de kibutz). Cadê a regra de ouro do bom senso? Embora esdrúxulas, todas fazem parte de nosso vocabulário. Por que mice ainda não? Sobretudo sendo esta mais comum que aquelas! Afinal, uma das primeiras (e para muitos, únicas) noções de inglês assimiladas na escola são os plurais irregulares “goose/geese”, tooth /teeth, foot/feet, man/men e mouse/mice.

De fato, mídia e jornalismo sempre subestimaram seu público, mas se a revista quisesse apenas evitar (conscientemente) o uso do “erudito” “mice”, não lhe bastaria fazer a tradução do termo (Novos “camundongos” ou Novos “ratinhos”)? Também não seria possível evitar-se o plural, reescrevendo a frase? Aliás, na forma “mouses”, a palavra teria de ser lida “môuses” ou “móuses”, pois é no inglês que o signo “o” teria (nesse caso) som de “a”. Como píer, jipe, caubói e picape ganharam nova grafia ao serem aportuguesadas (diferentemente de incorporadas), do mesmo modo mouse, por questão prosódica, teria de transformar-se em algo como mause (Novos mauses). Por tudo isso, o portinglês “mouses” não se justifica.

Como se sabe, esse erro não é exclusividade do invejável semanário. Está irremediavelmente disseminado e, cedo ou tarde, consagrar-se-á “pelo uso”, orgulhosamente corroborado pelos pais dos leigos e burros, que, para suplantar a concorrência, não podem limitar-se ao simples registro de neologismos (sic): “inicializar” em lugar de iniciar, “disponibilizado” em lugar de disponível ou à disposição, “prestatividade” em vez de solicitude ou simplesmente dedicação etc. Basta uma concordância ou regência manter-se errada na linguagem “viva”, ou ter precedente n’algum (?) clássico infalível revisitado, para todos assumirem e legalizarem a adoção. Infelizmente, parece aplicar-se aqui o mesmo princípio que haveria na propaganda massificada: a mentira repetida mil vezes tornar-se-ia verdade. Pelo que em tudo consta, um erro mil vezes repetido tornar-se-á uma regra gramatical. Há mesmo radicais que defendem a inexistência de “erro” em português, para os quais haveria apenas “variações regionais” (dialetos). Resta saber se na disputa por volumes cada vez mais “atualizados”, copiosos e caros, os dicionaristas, seus respectivos editores e outros em sua esteira não agem ao mesmo tempo como divulgadores e vulgarizadores, se enquanto se enriquecem não estão empobrecendo nosso idioma.

(Comunique-se, 2003)

sábado, 8 de agosto de 2009

A lei do bom senso

Até segunda ordem, registra-se em nossa República Federativa um só idioma oficial. Não obstante, na literatura forense há quem imagine que seja o latim a ocupar tal posto, ou pelo menos o adota como segunda língua pátria. Dependesse dos pseudoutores, uma sessão de júri assemelhar-se-ia, aos leigos, à Primeira Missa celebrada por José de Anchieta aos pagãos! Alguns preciosismos perpetrados (verdadeiras pérolas) soariam arcaicos mesmo se tivessem brotado da pena do próprio Rui Barbosa!

Voltemo-nos para o céu e ouçamos o santo padre: “O estilo deve ser alto e claro, como as estrelas. Tão claro que o entendam os que não sabem e tão alto que tenham muito que entender os que sabem” (Vieira). São comuns, no entanto, textos tão “elevados” que não os entendem os que sabem e nada têm a entender os que não sabem. Brocardos e até parágrafos inteiros em latim, alemão, espanhol e francês no mesmo artigo, desacompanhados de uma tradução, afloram como fungos na crosta estéril; recobrem o texto empolado e superficial; sepultam a idéia natimorta!

Fecundam, ainda, termos que parecem não fazer parte de nenhum idioma: “O critério da falsificabilidade, segundo o qual a discutibilidade (sic) é o critério da cientificidade...”. Se há algo que o rebuscamento revela, é incapacidade e despreparo, mais do que propriamente erudição. A virtude, pois, está no equilíbrio entre o rigor normativo e o discurso coloquial, sem cair em vulgarizações ou na perda de objetividade e de exatidão.

É desejável que um texto contribua para o enriquecimento vocabular do leitor, mas não é o caso de aberrações como “inicializar” (por iniciar), “imperguntado”, “disponibilizado” (o mesmo que disponível), “criterização”, “prestatividade”, “amadorístico” (em vez de amador), “falsificabilidade” etc.

E se o assunto ainda não virou caso de polícia, já se apelou para um decreto que pautasse a lógica, concisão e clareza nos despachos da esfera legislativa (o 2.954, de 29 de janeiro de 1999, art. 20). A idéia, de rara felicidade, bem poderia ser capítulo de um manual de técnicas de escrita para burocratas, nos moldes dos existentes para profissionais de imprensa (Folha, Estadão, O Globo e Zero Hora) e do Manual de Redação da Presidência da República. Que venham logo, pois, o “Manual de Redação e Estilo da Polícia Militar, Civil e Federal” e o “Manual de Redação, Ética e Português da OAB”.

(Jornal do D.A., 2005)

Mundo Pequeno - II

Muitas vezes somos surpreendidos por nosso interlocutor expressando um pensamento que nós mesmos tivemos um segundo antes. Também acontece de ambos pronunciarmos a mesma frase simultaneamente! Geralmente, isso se deve a algum estímulo externo que muitas vezes não percebemos (uma palavra aleatória num comentário imediatamente anterior ou num cartaz próximo, um leve aroma etc.), mas que nossos sentidos e inconsciente registram e processam da mesma forma, fazendo iguais associações lógicas. Porque todos somos expostos aos mesmos estímulos e informações em tempo real, cada vez um maior número de pessoas chegam às mesmas idéias e conclusões ao mesmo tempo.

Portanto, mais do que pelo prazer da leitura e pela busca do conhecimento, é necessário mantermo-nos informados principalmente para evitar o desprazer de fazer algo que já fora feito antes. Não só porque somos empurrados pelo ritmo que a todos arrebata ou porque temos de acompanhar a pressa dos nossos dias – é preciso correr ou seremos rapidamente sobrepujados. Todos nós temos histórias para contar: publicitários, jornalistas, escritores, cientistas. Quando se trata de idéias, ninguém nunca estará a salvo de algumas encrencas, ou mesmo tragédias.

O lacônico título “É”, de uma nota de Veja, de 1972, é citado no Manual de Estilo da Editora Abril como “obra-prima” (pág. 22). Sinto muito, mas “prima”, nesse caso, poderá ter vários sentidos, menos “primeira”. Millôr Fernandes é um dos que contam que veio a descobri-lo em toda parte depois de jactar-se de ter dado o mesmo título a uma peça de teatro, que supunha original. Não é.

No mundo das charges, então, as idéias sempre se repetem, pois os temas dos autores são os mesmos, limitados aos fatos do dia, notadamente política, e datas comemorativas. Algumas charges chegam a ser de fato IDÊNTICAS, e não apenas semelhantes. De tão repetitivas, há muito deixei de acessar os maçantes sites que as divulgam diariamente. É claro que existem plágios nesse meio, mas no 12 de setembro, por exemplo, dezenas de charges eram da Estátua da Liberdade chorando, muitas assinadas por artistas mundialmente aclamados, como Mike Ramirez, Kirk Anderson e Rex Babin.

Duvido que não tivessem suas próprias idéias, ou que arriscariam suas reputações omitindo fontes. Outras charges estabeleciam paralelismo entre a “bravura” dos nova-iorquinos e a dos soldados que tomaram Ywo Jima. Novamente, além de admitirmos “plágio epidêmico”, teríamos de acreditar em telepatia, já que as tiragens dos jornais são praticamente simultâneas. Mais sensato é considerarmos mais uma incrível, porém natural, coincidência.

Eu buscava uma pista sobre o fenômeno (então inédito para mim, pelo menos) nos arquétipos do “inconsciente coletivo”, descrito por Jung, quando lembrei-me de quando Jack Palance citou um inventor italiano que imaginara fantásticas estações que gerariam um campo elétrico envolvendo todo o globo. Segundo entendi (peguei a matéria quase no fim), a eletricidade seria emitida em ondas, não em correntes, sem a necessidade de fios, bastando apenas ligar qualquer aparelho de qualquer lugar para que funcionasse, desde que no raio de alcance das ondas. Não sei de onde viria a energia para gerar os sinais, por quem seria bancada e quanto há de factível naquela empreitada, mas ela enseja uma alegoria eletrizante: e se as idéias também “viajassem” na forma de pulsos elétricos, passíveis de captação por quaisquer neurônios relativamente próximos, desde que “sintonizados” na mesma freqüência? Isso estaria também em sintonia com o contagiante pensamento de muitos filósofos, para quem as idéias estariam no ar, esperando para serem fisgadas: ou seriam como pulgas, “pulam de pessoa em pessoa, mas não picam todas”.

E, acrescento, quando picam, nem todos lhes dão a mesma importância ou sabem fazer uso delas.

Como é perceptível, Guglielmo Marconi morreu sem realizar sua utopia “socialista”, embora tenha criado o telégrafo sem fio, a antena e o rádio. Não sem controvérsias, claro! Na corrida pelo domínio da tecnologia e do conhecimento, cientistas e inventores, trabalhando isoladamente, chegam ao mesmo resultado de outros colegas ao mesmo tempo, mesmo antípodas enclausurados –e apenas um consegue a disputada patente. Além de a invenção do rádio, cito o caso do telefone. Relata Marcelo Duarte, do Guia dos Curiosos: “(Alexander Graham) Bell conseguiu a patente por ter chegado ao escritório de registro em Nova York duas horas antes que Elisha Gray, outro americano que também estava trabalhando num aparelho semelhante. Bell apareceu ao meio-dia e Gray, às 2 da tarde. Um não sabia do outro”.

O mesmo se deu com a teoria da Seleção Natural, tão consistente que permanece sem “mutações” desde que foi formulada por Charles Robert Darwin e Alfred Russel Wallace, no século 19. “(...) Chegou-lhe ao conhecimento [de Darwin] que outro cientista involuntariamente lhe ‘roubara’ a sensacional descoberta. A 18 de Junho de 1858, recebeu do seu amigo Alfred Russel Wallace um estudo original sobre a Evolução, acompanhado de uma carta em que lhe pedia uma sincera opinião a respeito da validade da teoria.

Wallace residia do outro lado do mundo, na Malásia. Ignorava que também Darwin concebera a idéia da origem das espécies e que trabalhara na sua concepção havia 20 anos. Assim, pois, vinha candidamente rogar a Darwin que o apresentasse como o criador da teoria evolucionista. Por fim acedeu em apresentar a teoria à Sociedade Lineana como trabalho simultâneo dele e de Wallace. Assim terminou uma das controvérsias mais notáveis entre cientistas” (in "Vidas de grandes cientistas" de Henry Thomas e Dana Lee Thomas). Apesar disso, quem já ouviu falar de A. R. Wallace? Nos limites da originalidade, a glória de um pode decretar a desgraça alheia.

(Comunique-se, 2003)

Mundo pequeno - I


No regulamento de um concurso realizado mês passado para o batismo da seção de cartas de uma nova revista o leitor é advertido:

(...) 10- Os ganhadores do concurso cultural declaram ser de sua autoria a sugestão enviada e que a mesma não constitui plágio de espécie alguma.


Existem quantas “espécies” de plágio? Como os “ganhadores” podem declarar qualquer coisa antes mesmo de eles próprios serem declarados como tais? Como alguém pode ter certeza que sua idéia é original? Caso haja outro nome coincidente, como o participante poderia PROVAR que não teve más intenções?

Todos estamos sujeitos a passar pela péssima experiência de ver explorada uma idéia idêntica à nossa, que imaginávamos única. É um drama semelhante ao do fotógrafo que, num segundo de distração ou estupidez, deixa escapar o momento mágico, singular, irrepetível, impossível de ser resgatado. E ninguém acreditaria se ele dissesse, nem saberia o quanto é frustrante, exceto quem já passou pela mesma situação. Dependendo do lance, é como acertar as dezenas da Mega-Sena acumulada e ter deixado de registrar o maldito cartão!

Quando é má-fé e quando é mera coincidência? Quando o artista teve uma inspiração legítima ou uma reminiscência involuntária? Nem sempre é fácil determinar o que é plágio e o que é lugar-comum (clichê ou fórmula de domínio público), trocadilho e paródia. Muitas vezes, separar o que é crime e o que é homenagem, cópia e traço cultural, autoplágio e estilo é tão difícil quanto separar inspiração e influência inconsciente.

O advento da Internet, além de facilitar tanto a prática da fraude intelectual quanto a sua identificação, também serviu para evidenciar que nem tudo que é igual é cópia. No artigo “O saber não ocupa o cyberspace” (que um amigo recortou do Pasquim) há uma grave acusação de plágio contra o cartunista Angeli. Na “original” Lula se contempla num lago e ordena: “FHC, quer sair daí!”. Dois meses depois, na Folha de S.Paulo, o presidente exclama: “Uia! O que o Fernando Henrique está fazendo ali?”. Assim como há semelhanças entre Lula e FHC, as charges são semelhantes, sim, igualmente sem graça, porém não são idênticas.

Alguém pode reivindicar a precedência de uma criação, mas não sua exclusividade, nunca o monopólio de nenhuma inspiração. E se tiver havido uma charge anterior à do Pasquim Brasil afora? A mídia nacional explorou muito as semelhanças entre este governo e o anterior, e lembro-me de ter visto várias charges em que Lula se espelha em FHC, coroadas há poucos dias com a declaração do ex-presidente de que Lula copiara sua cartilha de governo (outro plágio?). Quem pode garantir que não houve uma terceira charge igual e anterior? Isso não só é possível como altamente provável.

No mesmo artigo, o próprio delator admite essa possibilidade: “Outro dia o Ota me ligou querendo saber se alguém já tinha feito uma determinada piada. Já – falei e dei a ele duas idéias”. O episódio nos remete a muitos outros de natureza igualmente duvidosa, como este que saiu no “Observatório da Imprensa”: “PLÁGIO - Empresa pequena não tem vez no Conar”. Gente! ter uma grande idéia não dá direito a nenhum gênio de sair por aí acusando quem chegou atrasado à mesma conclusão. Também já fui, em muitas ocasiões, vítima de plagiadores e sei da indignação que isso nos desperta. É o crime mais hediondo praticado contra o direito autoral.

Mas a indignação pode nos induzir a precipitações e erros. Quando textos ou imagens são idênticos, não há o que discutir, mas nem sempre o assunto é tão claro e simples. Cuidado para não dar vexame nem, principalmente, cometer injustiça. Se já é ruim você descobrir que aquela idéia que você teve “não é sua”, imagine ainda ter de responder às acusações de plágio? Deixemos para tachar assim os casos que não deixam dúvidas, de cópias fiéis ao original, ou retocadas, como o flagrante que levou à demissão do jornalista Luiz Otávio deste Comunique-se, na sexta. Na incerteza, expresse seu orgulho por ter registrado uma idéia primeiro que o Angeli, ou outro ícone. Um pouco de humildade não faz mal a ninguém e cabe em qualquer espaço.

Lembro-me de um self-service patense que tinha como símbolo o Papa-Léguas. Logo atrás, veio correndo um disque-pizza utilizando o mesmo personagem, que foi imediatamente acusado de ter plagiado o restaurante. Ué, o personagem não mais pertencia à Time-Warner? Na “polêmica” sobre as charges, ambos os artistas se inspiraram no mito de Narciso, que não é criação de um nem de outro.

“Auto-estima”

Howard Chaykin é um quadrinista americano que sempre desenha o mesmo personagem, não importa se o protagonista é da revista American Flagg!, Black Kiss ou The Shadow. Os coadjuvantes de O Cavaleiro das Trevas (DC Comics) e de A Queda de Murdock (Marvel), ambos clássicos de Frank Miller, desempenham o mesmo papel nas sagas. Na segunda, Miller substitui Superman e o líder mutante pelo Capitão América e Bazuca, respectivamente. E quantos artistas recorrem ao mesmo tema em várias telas até se darem por satisfeitos?

A primeira vez que vi o termo autoplágio ele estava associado a artigo que um jornalista havia “reciclado” de outro mais antigo, também de sua autoria. Sempre que um jornalista ou escritor é pego requentando seus textos logo é considerado um autoplagiador, definição que sempre me soou estranha. Para mim, o autor está meramente sendo repetitivo. O humorista José Simão é um exemplo que me ocorre no jornalismo. Suas frases são repetitivas, e muitas piadas nem são de sua autoria, mas nunca vi ninguém acusá-lo de cometer plágio nem autoplágio, o que de fato não parece ser o caso, pois o público, além de esperar pelos bordões, tem conhecimento que boa parte do repertório é de fontes anônimas.

Veja esta reportagem do Estadão, sob o título ‘Esqueceram de Mim 2’ é PLÁGIO do número 1:

(...) Críticos e espectadores costumam reclamar que as seqüências quase sempre são inferiores ao original. O produtor e o diretor resolvem o problema realizando exatamente o mesmo filme. Acontecem [sic] apenas algumas mudanças para disfarçar.


Salvo exceções, não acho que essas continuações, independentemente se no cinema, na TV ou na literatura, possam ser consideradas “autoplágio”, ignomínia.
É claro que tiram parte do mérito do autor e do prestígio que sua criatividade desfrutaria junto aos fãs, mas é seu direito optar por um “upgrade” de sua obra sempre que achar necessário. Por que isso não seria permissível? Não há quem diga que o bom autor sempre escreve o mesmo livro? Mas também nada impede que o autor informe suas auto-referências nos casos em que o leitor possa se sentir traído. O que faz Chico Caruso diariamente senão nítidas colagens dos mesmos desenhos, igualmente com “algumas mudanças”, mas cuja intenção não é “disfarçar”? Muitas são a mesma charge, porém devidamente numeradas para esclarecer a “continuação”, e a colagem nesse caso é meramente uma técnica artística.

A meu ver, só se poderia falar em plágio ou autoplágio quando não restasse dúvida sobre a intenção de iludir, como o publicitário que vende a mesma arte ou campanha já utilizada para outro cliente. Ainda assim, continua sendo simplesmente “plágio”, uma reprodução não-autorizada. O neologismo autoplágio é ambíguo, impreciso, contraditório, suscita dúvidas e confusões. Clonagem é mais simples e adequado. Plágio é delito tipificado e falar em autoplágio é tão estapafúrdio quanto falar em “autofurto”. Dá a entender que o proprietário da obra intelectual seria ao mesmo tempo autor e réu no mesmo processo, quando na verdade seria simplesmente um caso onde a defesa e a acusação intimariam a mesma testemunha: o criador, não detentor dos direitos de reprodução.

Numa outra hipótese, se o repórter pegasse uma reportagem ou entrevista que ele fizera há muito anos e as reeditasse para que parecessem atuais, adulterando alguns nomes e enxertando novas circunstâncias, continuaria sendo simplesmente uma clonagem, uma FRAUDE como outra qualquer. Por que necessitar-se-ia de um neologismo para designar uma prática tão antiga?

(Comunique-se, 2003)