sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Não sois homens, máquinas é que sois!


Como o despertador era a pilha, eu não poderia ter certeza de que a carga não acabaria exatamente enquanto eu dormia, e, por segurança, toda vez usava o serviço da Companhia Telefônica. Só que surpreendentemente a linha 134 estava ocupada. Restou-me o 0800. Nova surpresa: fui atendido por uma menina. Acordada até aquela hora! Na verdade, uma atendente eletrônica com voz de criança.

— Olá! Eu sou sua assistente CTBC Telecom. Por favor, fale uma das seguintes opções: Auxílio à Lista, Conta Telefônica, Informações Gerais...

Não havia, a opção desejada.

— Não entendi. Você está falando com um sistema informatizado. Fale uma das seguintes opções: Auxílio à Lis...

— Despertador!!

— Não entendi. Por favor, fale uma das seguintes opções: Auxílio à Lista, Conta Telefônica...

A cretina não parava de tagarelar, sem que houvesse a opção “Despertador”. Minha vontade era a de avançar no gravador, se pudesse. Eu estava exausto e já passava das duas e meia da manhã. E tentei o 134 por mais de uma hora! Fiquei com a cara pregada num monitor o dia inteiro e já estava quase na hora de levantar-me.Talvez por esse tipo de coisa que as pessoas quebram os orelhões, e não simplesmente por vandalismo, afinal...

— Saco!

— Não entendi. Este é um sistema informatizado. Fale uma das seguintes opções...

Quando finalmente consegui me controlar e pedir “Serviços”, senti-me como se voltasse à estaca zero.

— Certo! Fale uma das seguintes opções: Desbloqueio, Reclamações, Inscrição...

Depois de ditar meu telefone, “começando pelo DDD”, CPF e não sei mais o quê, usando a opção “Outros Serviços”, com as últimas energias que juntei, consegui a transferência para um atendente de carne e osso, que me pediu tudo de novo! Meu DDD, prefixo e número de telefone, CPF...

O atendente apresentou-se pelo nome. Em firmas grandes, o nome de telefonistas costuma ser fictício, por razões práticas e de sigilo. Assim, se a “Patrícia” deixa o emprego ou é transferida, é substituída por outra “Patrícia”.

Não sei se é o caso do nome pelo qual o atendente apresentou-se, mas de qualquer modo o preservarei, substituíndo-o por “Emerson”.

— Serviço de Despertador, Emerson, bom dia!

— Bom dia, eu queria que você me auxiliasse. Antigamente a gente falava com pessoas, mas agora é tudo via computador, complicou muito, você não acha?

— Senhor, a maneira correta é pelo 134.

— Sim, agora pode ser, mas a semana passada foi uma pessoa que me atendeu, e foi muito menos burocrático.

— Senhor, a maneira correta é pelo prefixo 134+1+a hora desejada.

— Mas agora que eu consegui falar com você, prefiro assim.

— Pois não, qual a hora que o senhor deseja?

— Cinco e trinta. Escuta, por que o serviço de Despetador estava dando só ocupado? — Perguntei amistosamente, demonstrando meu alívio.

— Não sei informá-lo senhor. Sua programação está registrada. Mais alguma coisa?

— Mas eu sempre ligo nesse horário e nunca deu ocupado.

_ Talvez é por que está congestionado.

— Congestionado?! A essa hora?! — Eu disse, começando a me irritar de novo — Por acaso você sabe que horas são?!

— Não posso dar essa informação, senhor. Mais alguma coisa?

— O QUÊ!! — aquilo foi a gota d’água. — Como assim “não posso dar essa informação”? Você está fazendo hora com a minha cara?

— Não, senhor.

— É claro que está, olha aí de novo, o seu tom de voz! Estamos tendo um conflito e você está sendo irônico, falando baixinho, fingindo que não é com você, como se eu estivesse discutindo com as paredes. Vamos recapitular. Você disse que o sistema estava congestionado e eu achei um absurdo, pois não é horário de pico. Então, eu apelei e disse “você sabe que horas são, criatura?”, pois já é de madrugada, e você respondeu “senhor, não posso lhe dar essa informação”. Você não pode me dizer as horas, é isso? É ISSO?!

— Senhor, este é o serviço de Despertador. Para saber a hora certa o número é 130.

(Folha Patense, janeiro de 2002)

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