quarta-feira, 16 de junho de 2010

BATMAN personifica herói 'afegão'


“Não sei quais armas serão usadas na Terceira Guerra, mas a Quarta Guerra Mundial será com paus e pedras.”

Essa feliz frase de Albert Einstein (1879-1955), Nobel de física cuja teoria viabilizou a construção da bomba Atômica (Projeto Manhattan), apresenta-nos com autoridade científica e propriedade histórica ao palpitante século 21. Sabotagens virtuais? Terrorismo-catástrofe? Agentes microscópicos?

Passado pouco mais de um mês do desabamento do WTC, é possível recordar-me de que, ao ligar a TV em obediência a um telefonema, senti-me privilegiada testemunha ocular de uma passagem bíblica. De algum modo, a Cable News Network (CNN) estava transmitindo a segunda destruição da Torre de Babel, ao vivo! Não estou sendo ingênuo ou exagerado ao afirmar que, diante da confusão e hipnotizados pelo sensacionalismo televisivo, muitos tínhamos certeza de que assistíamos à extinção — incrivelmente rápida — de todos os Estados Unidos, quer pelo nítido sucesso da primeira fase de um suposto ataque mundial, quer por ser obra de Deus ou de bestas apocalípticas.

A repetição das imagens confundia-se com os acontecimentos que se repetiam. Afinal, a Torre Norte também estava soçobrando ou se tratava de um replay? Depois que o segundo 767 completou sua missão, outros ângulos do mesmo leviatã alado pareciam investidas de novas naus possuídas. Havia informações não confirmadas de que o Capitólio (o Congresso americano) havia sido atingido, e, a Casa Branca, abandonada às pressas. A escassez de imagens, se não anunciava o cerceamento de liberdades, hoje consumado, ajudava a sugerir um raio de destruição de todas as imediações. Tinha-se a impressão de haver restado na capital do Império apenas uma câmera (automática) em frente aos escombros do Pentágono. Aguardava-se com ansiedade o fim de NASA, Disneyworld, Hollywood, Microsoft, Instituto Smithsoniano e Coca-Cola nas próximas horas — e do país, nas próximas semanas. Teletipos orsonwellianos davam conta de um crescente número de aviões tripulados por cavaleiros invisíveis se dirigindo para seus alvos. No Brasil, emissoras ressuscitavam Nostradamus. Era o Juízo Final, e os EUA apenas o epicentro.

Mas rapidamente nos acostumamos com a idéia de um atentado. Apesar da convicção de Washington contra o partido Taleban desde o início, não tive a mesma facilidade em focalizar de imediato a origem dos ataques: não pela dificuldade em reconhecer algum inimigo da América, é claro, mas, pelo contrário, por seu enorme contingente potencial: Coréia do Norte, China, Cuba, Síria, Irã, Líbia, Sudão e cartéis do crack, além de organizações políticas da extrema direita e grupos paramilitares dos próprios EUA... Todavia não descartei a possibilidade de os camicases serem japoneses legítimos pondo a termo seu próprio “Projeto Manhattan”.

Pelo menos, não comprei a antítese barata e maniqueísta que os líderes políticos Bush e Bin Laden vendem em suas aparições midiáticas (“ou vocês estão conosco ou contra nós” diz um, e “esses acontecimentos dividiram o mundo em dois campos, o campos dos fiéis e os campos dos infiéis”, diz o outro). Os dois são mais parecidos do que gostaríamos de admitir, evocando Deus, justiça e liberdade, enfatizando o honroso sacrifício de vidas (alheias) no dever de manter ou alcançar a paz. Do mesmo modo que as ações do Al-Qaeda confirmam as acusações dos americanos, os bombardeios em Cabul só corroboram as denúncias contra os EUA. Falando nisso, os militares americanos, aproveitando que renomeariam a operação “Justiça Infinita”, poderiam rebatizá-la, em vez de “Liberdade Duradoura”, de operação “Olho por Olho”, dada sua natureza retaliativa. A expressão “São ataques terroristas!”, de Bin Laden, e “Nossas exigências não foram atendidas e agora eles vão pagar por isso”, dito do presidente norte-americano, aceitam sem prejuízo a inversão da autoria. De determinadas frases, se publicadas isoladamente, é impossível identificar o orador, se George bi Laden ou Osama W. Bush.

E se o milionário saudita, “naturalizado” afegão, não tivesse negado a carreira de agente, teria tudo para se tornar um ícone anglo-americano. Rebeldes e justiceiros são populares nessas culturas, vide “Guerra nas Estrelas”, “Coração Valente” e “Jesse James”. O herói de “V de Vingança” inspira-se no soldado Guy Fawkes, o traidor número 1 da Inglaterra. Executado em 1606 em frente ao Parlamento que tentou explodir, foi o articulador da Conspiração da Pólvora.

Mas o arquétipo no qual Bin Laden melhor se encaixa é Batman. Ambos os magnatas aplicam a herança dos pais no patrocínio de suas guerras particulares, impelidos por vingança e fanatismo. Armados até os dentes, Bruce Wayne e Osama bin Laden se refugiam em cavernas hi-tech, bases de suas atividades ilegais.

Em “O Cavaleiro das Trevas” (veja ilustrações), o Homem-Morcego é julgado e depois perseguido pelo governo Reagan. Bin Laden é produto da indústria americana, seja porque é síntese do que os americanos cultuam e exportam, seja porque foi treinado pela CIA. Aliás, quem garante que ele ainda não esteja a soldo, mesmo sem saber, daquela organização secreta, cuja existência sempre dependeu das intrigas que dissemina? Quantos bilhões de dólares realmente a CIA abocanhará do orçamento nacional após o êxito em Nova York?

(Folha Patense, outubro de 2001)

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