segunda-feira, 19 de maio de 2008

Calvin é vítima de descaso editorial









Álbum do
personagem
cult criado por
Bill Watterson




As coletâneas de Calvin e Haroldo são excelente opção para os fãs de Bill Watterson, principalmente agora que o autor decidiu não mais fazer novas histórias. Paradoxalmente, foi a maneira de ele salvar seus personagens, há muito ameaçados: o Consórcio da Universal Press, detentor dos direitos da distribuição das tiras, queria sua exploração para além dos jornais (lancheiras, brinquedos, grifes etc.), o que certamente subjugaria sua criação aos interesses das indústrias, descaracterizando-lhe o espírito, como ocorreu às obras de artistas que cederam aos “Syndicates”.

Se o cartunista soubesse das traduções perpetradas pelas editoras brasileiras provavelmente recolheria os exemplares das bancas e livrarias, suspendendo qualquer forma de utilização já autorizada. “Básicamente”, “daqui há pouco”, “equestre”, “porque não?”, “por que?”, “musculos”, “sonambulos”, “as vêzes”, “fêz”, “fôr”, “evoluidos”, “vivessemos”, “sómente”, “egoista”, “força-lo”, “quiz”, “colhí”, “doe” (do verbo doer) são algumas barbaridades encontradas em apenas um volume dos álbuns.

A sexta edição da série, por exemplo, foi intitulada “A Vingança da Babá” (foto). Rosalyn, a “babá” do título, é a diarista contratada pelos pais de Calvin para ficar com ele quando têm de ficar fora de casa por algumas horas. O nome que se dá a essa função é baby-sitter (beibissíter, na falta de um termo em português). Babá, em vez disso, é a pessoa que convive com a criança, contratada para cuidar dela em tempo integral (nanny, nursemaid, em inglês).


A confusão sempre ocorre porque a de beibissíter é profissão incomum no Brasil e a nossa tendência é associar termos estrangeiros a qualquer outro que se aproxima com o que a gente já conhece. Exemplos de falsos cognatos não faltam. Mas pior é quando a gente lê “A vingança da babá” e descobre que a dita vingança é, na verdade, “A vingança de Calvin” [clique na imagem acima para ampliá-la], que é como deveria ser o título da revista. Agora eu não sei se o erro foi importado ou é da versão brasileira. No expediente há o título original: “The revenge of the baby-sat”. Alguém sabe o que significa “baby-sat”?


(Correio de Patos - Junho de 2000)

ombudsboy@gmail.com

6 comentários:

Nélio Lobo disse...

Encontrei na livraria Cultura uma edição impressa em Portugal. O título, mais coerente, era "A noite da grande vingança".

Nélio Lobo disse...

Carta de Watterson informando os editores dos jornais sobre sua decisão de não mais publicar a tira, em 1995:

"Eu vou terminar com Calvin e Haroldo no final do ano. Esta não foi uma decisão recente nem uma decisão fácil. Saio com tristeza. Os meus interesses mudaram e acredito que fiz o que eu podia fazer dentro dos estreitos prazos diários de entrega das tiras. Estou ansioso para trabalhar num ritmo mais atencioso, com menos compromissos artísticos.
Ainda não decidi sobre novos projectos, mas o meu relacionamento com a Universal Press Syndicate continuará.
É uma honra que tantos jornais publiquem Calvin e Hobbes e orgulho-me disso. Agradeço o apoio e indulgência durante a década passada. Desenhar estas tiras foi um privilégio e um prazer, e agradeço a todos por me terem dado esta oportunidade."

Anônimo disse...

Manoel, não preciso explicar o sentido do termo "babysitter", pois você já o fez.

O inglês tem o verbo "babysit", cujo significado é cuidar de uma criança por um curto período enquanto os pais estão fora. Esse verbo é irregular, de modo que seu passado é escrito assim: "babysat". Assim, poder-se-ia ter, por exemplo, uma frase assim: "My sister babysat a lovely child yesterday". A tradução seria algo como "minha irmã cuidou de uma adorável criança ontem". Repare que o verbo "cuidou" não é o ideal aqui, pois em inglês "babysat" tem a idéia de não apenas cuidar, mas cuidar por algumas horas.

Além disso, talvez seja útil lembrar o verbo "sit" (cujo passado é "sat"), que tem sentidos como permanecer sentado, sentar-se, posar etc. Assim, há um trocadilho no título "The revenge of the baby-sat". Trocadilho de melindrosa tradução. Numa tentativa grosseira, talvez teríamos algo como "A vingança do bebê se sentou". Mas é preciso fazer a ressalva de que nessa improvisada e um tanto impensada tradução a noção do verbo "babysit" se perdeu.

Penso que uma tradução "perfeita" uniria os sentidos do verbo "sit" ("sat", no passado) e a noção do verbo "babysit" ("babysat", no passado).

Numa outra tentativa que me ocorreu bem agora, talvez o título pudesse ficar algo como "A vingança do bebê se instalou" ou algo que o valha.

Nélio Lobo disse...

Muito obrigado pelos esclarecimentos sobre o verbo babysit e sua conjugação, Lívio. Também imaginei que Watterson pudesse ter feito um trocadilho com babysitter para se referir a Calvin, porém não me ocorreu que o mesmo pudesse ser intraduzível, o que de fato é lógico dada a inexistência de um sinônimo em português. Será interessante pesquisarmos a saída encontrada em outros países, como a da versão portuguesa que citei acima.

Anônimo disse...

Manoel, creio ter chegado a uma solução mais favorável: A VINGANÇA DO BEBÊ SE ASSENTOU, brincando com o sentido do verbo "assentar" e levando-se em conta o sentido de "sit" (cujo passado, lembrando, é "sat").

Nélio Lobo disse...

Lívio, embora Calvin não seja exatamente um "bebê", é uma solução bastante criativa. Porém, observe que no quadrinho interno (reproduzido no tópico) o verbo no passado destoaria da fala de Calvin.

Vou tentar obter o álbum americano. Quem sabe o contexto original nos dê novas pistas...