segunda-feira, 19 de maio de 2008

Você falaria mal de quem paga o seu salário?

O ombudsman é o advogado do leitor, pago pelo próprio jornal. O departamento é uma espécie de seção de Controle de Qualidade. Sua função é "criticar o jornal sob o ponto de vista do leitor", por meio das reclamações que recebe. Mas se você tem alguma queixa a fazer contra uma reportagem sugiro que vá direto ao Procon, ou à polícia.

O ombudsman é eleito para um mandato que pode ser renovado. Não são os leitores, porém, que o elegem. Defeito grave, já na origem do personagem que inspirou esta coluna. A resistência da Folha de S.Paulo em admitir seus erros, agora por intermédio do ombudsman, mostrou que o alardeado "defensor do leitor" é, na verdade, o defensor do jornal. Comecemos pelo exemplo deste e-mail que recebi, idêntico a tantas cartas daquele escritório:

“Caro Senhor:

“Vimos por meio desta pedir desculpas pela demora em responder sua mensagem de dezembro passado.

“É lamentável, mas nosso departamento não conseguiu obter uma resposta da Secretaria de Redação a propósito do problema apresentado. Como o departamento de ombudsman não tem função executiva na Redação, e não há mais esperança de que a resposta devida seja dada, propomos dar o caso por encerrado --mesmo considerando que essa é a pior solução.”

É como a Folha administra, nos bastidores, seu compromisso público de responder todas as cartas e de retificar todos os erros que comete. Indignado com a espera de mais de um ano para a correção em um artigo sobre o Pato Donald, escrevi: “(...) A Folha não pode negar o fato de ser um jornal de Terceiro Mundo. Se é o melhor do país? Deve ser (pior para o país). Mas uma pessoa não recebe a pecha de mentirosa por dizer só mentiras o tempo todo. A mais mentirosa também diz verdades. Então não é porque tem outras virtudes e diz muitas verdades que a Folha vai deixar de ser o jornal mentiroso que é”.

Em único contato com este articulista, um ombudsman disse que ficou "sem ação" ao ler-me. Parece que ficou sem ação também ao responder-me.

“Caro Sr.

“Confesso que fiquei sem ação, ao lê-lo. Se seu objetivo era unicamente comunicar-me que considera a Folha ‘um jornal mentiroso’, muito bem. Discordo do sr; na minha opinião, a Folha é um jornal cheio de problemas, por momentos meio cabotino, mas não é mentiroso. Basta lembrar que é o único do Brasil que mantém um ombudsman para, pelo menos, discutir publicamente divergências existentes.

“Não sei quais as razões que levaram à não-solução do caso de que o sr. se queixa. O sr. não me pede, nem parece que seja o caso, para desenterrá-lo.

“Volte a procurar o ombudsman da Folha sempre que considerar conveniente.”

Não sabe por que o caso não foi resolvido nem procurou saber. Mais importante para ele é rebater as acusações de que o jornal mente, limitando-se, porém, a dizer que “a Folha é o único jornal que mantém um ombudsman”. Ora, sabemos que, por mais convencido que seja, um ombudsman é um "advogado". Não é garantia de idoneidade nem de infalibilidade do jornal. Até porque sua função é apontar os erros que o jornal já publicou, e não os que publicará.

A Folha admite os erros que convêm a ela admitir na seção do ombudsman e também na seção "Erramos", mas, observe, o "Erramos" preocupa-se mais com banalidades que não interessam ao leitor, como a correção de créditos de fotos: “A foto tal é de fulano e não de beltrano, como saiu publicado ontem”. A quem mais interessa senão a um ou dois fotógrafos da Folha? Outros exemplos de "Erramos" bastante comuns: "A matéria tal, de tal dia, saiu publicada duas vezes"; "Na edição de domingo a palavra 'personagem' saiu na pág.1-6 sem o 'r'". Em quaisquer desses exemplos, o leitor que leu as matérias não precisa do"Erramos", e quem não leu, precisa menos ainda.

Todo domingo o “Erramos” ocupa-se quase que inteiramente da programação de filmes que as emissoras alteraram depois do fechamento do TVFolha. Mesmo que isso deva ser feito no primeiro caderno por ser o último impresso, será que não há espaço em outra seção que não seja a “Erramos”, principalmente porque o erro não foi do jornal? Parece-me que o “Erramos” e ombudsman existem mais para servir de salvo-conduto do jornal.

Não é a Folha de S.Paulo o único a ter ombudsman, muitos o têm, ou tinham, entre os quais a Folha da Tarde, irmã da Folha. Na época de minhas correspondências com o ombudsman da Folha de S.Paulo, a Folha da Tarde fez uma campanha contra o Diário Popular, seu concorrente direto. A campanha diz que o político Orestes Quércia é dono do "Diário" e a chamada de página inteira pergunta:

"VOCÊ FALARIA MAL DE QUEM PAGA SEU SALÁRIO?”

A gracinha rendeu um processo contra o grupo Folha da Manhã S.A., pois põe em dúvida a honestidade e a imparcialidade de toda a Redação do "Diário". Mas, admite-se, o anúncio foi muito bem bolado. Seria o caso de perguntar para o ombudsman: você falaria mal de quem paga seu salário?

“INDEPENDÊNCIA - A independência econômica e financeira é condição essencial para a independência editorial e política do jornal.” (Novo Manual da Redação, da “Folha”.)


(Correio de Patos - Junho de 2000)

ombudsboy@gmail.com

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