sábado, 8 de agosto de 2009

A lei do bom senso

Até segunda ordem, registra-se em nossa República Federativa um só idioma oficial. Não obstante, na literatura forense há quem imagine que seja o latim a ocupar tal posto, ou pelo menos o adota como segunda língua pátria. Dependesse dos pseudoutores, uma sessão de júri assemelhar-se-ia, aos leigos, à Primeira Missa celebrada por José de Anchieta aos pagãos! Alguns preciosismos perpetrados (verdadeiras pérolas) soariam arcaicos mesmo se tivessem brotado da pena do próprio Rui Barbosa!

Voltemo-nos para o céu e ouçamos o santo padre: “O estilo deve ser alto e claro, como as estrelas. Tão claro que o entendam os que não sabem e tão alto que tenham muito que entender os que sabem” (Vieira). São comuns, no entanto, textos tão “elevados” que não os entendem os que sabem e nada têm a entender os que não sabem. Brocardos e até parágrafos inteiros em latim, alemão, espanhol e francês no mesmo artigo, desacompanhados de uma tradução, afloram como fungos na crosta estéril; recobrem o texto empolado e superficial; sepultam a idéia natimorta!

Fecundam, ainda, termos que parecem não fazer parte de nenhum idioma: “O critério da falsificabilidade, segundo o qual a discutibilidade (sic) é o critério da cientificidade...”. Se há algo que o rebuscamento revela, é incapacidade e despreparo, mais do que propriamente erudição. A virtude, pois, está no equilíbrio entre o rigor normativo e o discurso coloquial, sem cair em vulgarizações ou na perda de objetividade e de exatidão.

É desejável que um texto contribua para o enriquecimento vocabular do leitor, mas não é o caso de aberrações como “inicializar” (por iniciar), “imperguntado”, “disponibilizado” (o mesmo que disponível), “criterização”, “prestatividade”, “amadorístico” (em vez de amador), “falsificabilidade” etc.

E se o assunto ainda não virou caso de polícia, já se apelou para um decreto que pautasse a lógica, concisão e clareza nos despachos da esfera legislativa (o 2.954, de 29 de janeiro de 1999, art. 20). A idéia, de rara felicidade, bem poderia ser capítulo de um manual de técnicas de escrita para burocratas, nos moldes dos existentes para profissionais de imprensa (Folha, Estadão, O Globo e Zero Hora) e do Manual de Redação da Presidência da República. Que venham logo, pois, o “Manual de Redação e Estilo da Polícia Militar, Civil e Federal” e o “Manual de Redação, Ética e Português da OAB”.

(Jornal do D.A., 2005)

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