sábado, 8 de agosto de 2009

Mundo Pequeno - II

Muitas vezes somos surpreendidos por nosso interlocutor expressando um pensamento que nós mesmos tivemos um segundo antes. Também acontece de ambos pronunciarmos a mesma frase simultaneamente! Geralmente, isso se deve a algum estímulo externo que muitas vezes não percebemos (uma palavra aleatória num comentário imediatamente anterior ou num cartaz próximo, um leve aroma etc.), mas que nossos sentidos e inconsciente registram e processam da mesma forma, fazendo iguais associações lógicas. Porque todos somos expostos aos mesmos estímulos e informações em tempo real, cada vez um maior número de pessoas chegam às mesmas idéias e conclusões ao mesmo tempo.

Portanto, mais do que pelo prazer da leitura e pela busca do conhecimento, é necessário mantermo-nos informados principalmente para evitar o desprazer de fazer algo que já fora feito antes. Não só porque somos empurrados pelo ritmo que a todos arrebata ou porque temos de acompanhar a pressa dos nossos dias – é preciso correr ou seremos rapidamente sobrepujados. Todos nós temos histórias para contar: publicitários, jornalistas, escritores, cientistas. Quando se trata de idéias, ninguém nunca estará a salvo de algumas encrencas, ou mesmo tragédias.

O lacônico título “É”, de uma nota de Veja, de 1972, é citado no Manual de Estilo da Editora Abril como “obra-prima” (pág. 22). Sinto muito, mas “prima”, nesse caso, poderá ter vários sentidos, menos “primeira”. Millôr Fernandes é um dos que contam que veio a descobri-lo em toda parte depois de jactar-se de ter dado o mesmo título a uma peça de teatro, que supunha original. Não é.

No mundo das charges, então, as idéias sempre se repetem, pois os temas dos autores são os mesmos, limitados aos fatos do dia, notadamente política, e datas comemorativas. Algumas charges chegam a ser de fato IDÊNTICAS, e não apenas semelhantes. De tão repetitivas, há muito deixei de acessar os maçantes sites que as divulgam diariamente. É claro que existem plágios nesse meio, mas no 12 de setembro, por exemplo, dezenas de charges eram da Estátua da Liberdade chorando, muitas assinadas por artistas mundialmente aclamados, como Mike Ramirez, Kirk Anderson e Rex Babin.

Duvido que não tivessem suas próprias idéias, ou que arriscariam suas reputações omitindo fontes. Outras charges estabeleciam paralelismo entre a “bravura” dos nova-iorquinos e a dos soldados que tomaram Ywo Jima. Novamente, além de admitirmos “plágio epidêmico”, teríamos de acreditar em telepatia, já que as tiragens dos jornais são praticamente simultâneas. Mais sensato é considerarmos mais uma incrível, porém natural, coincidência.

Eu buscava uma pista sobre o fenômeno (então inédito para mim, pelo menos) nos arquétipos do “inconsciente coletivo”, descrito por Jung, quando lembrei-me de quando Jack Palance citou um inventor italiano que imaginara fantásticas estações que gerariam um campo elétrico envolvendo todo o globo. Segundo entendi (peguei a matéria quase no fim), a eletricidade seria emitida em ondas, não em correntes, sem a necessidade de fios, bastando apenas ligar qualquer aparelho de qualquer lugar para que funcionasse, desde que no raio de alcance das ondas. Não sei de onde viria a energia para gerar os sinais, por quem seria bancada e quanto há de factível naquela empreitada, mas ela enseja uma alegoria eletrizante: e se as idéias também “viajassem” na forma de pulsos elétricos, passíveis de captação por quaisquer neurônios relativamente próximos, desde que “sintonizados” na mesma freqüência? Isso estaria também em sintonia com o contagiante pensamento de muitos filósofos, para quem as idéias estariam no ar, esperando para serem fisgadas: ou seriam como pulgas, “pulam de pessoa em pessoa, mas não picam todas”.

E, acrescento, quando picam, nem todos lhes dão a mesma importância ou sabem fazer uso delas.

Como é perceptível, Guglielmo Marconi morreu sem realizar sua utopia “socialista”, embora tenha criado o telégrafo sem fio, a antena e o rádio. Não sem controvérsias, claro! Na corrida pelo domínio da tecnologia e do conhecimento, cientistas e inventores, trabalhando isoladamente, chegam ao mesmo resultado de outros colegas ao mesmo tempo, mesmo antípodas enclausurados –e apenas um consegue a disputada patente. Além de a invenção do rádio, cito o caso do telefone. Relata Marcelo Duarte, do Guia dos Curiosos: “(Alexander Graham) Bell conseguiu a patente por ter chegado ao escritório de registro em Nova York duas horas antes que Elisha Gray, outro americano que também estava trabalhando num aparelho semelhante. Bell apareceu ao meio-dia e Gray, às 2 da tarde. Um não sabia do outro”.

O mesmo se deu com a teoria da Seleção Natural, tão consistente que permanece sem “mutações” desde que foi formulada por Charles Robert Darwin e Alfred Russel Wallace, no século 19. “(...) Chegou-lhe ao conhecimento [de Darwin] que outro cientista involuntariamente lhe ‘roubara’ a sensacional descoberta. A 18 de Junho de 1858, recebeu do seu amigo Alfred Russel Wallace um estudo original sobre a Evolução, acompanhado de uma carta em que lhe pedia uma sincera opinião a respeito da validade da teoria.

Wallace residia do outro lado do mundo, na Malásia. Ignorava que também Darwin concebera a idéia da origem das espécies e que trabalhara na sua concepção havia 20 anos. Assim, pois, vinha candidamente rogar a Darwin que o apresentasse como o criador da teoria evolucionista. Por fim acedeu em apresentar a teoria à Sociedade Lineana como trabalho simultâneo dele e de Wallace. Assim terminou uma das controvérsias mais notáveis entre cientistas” (in "Vidas de grandes cientistas" de Henry Thomas e Dana Lee Thomas). Apesar disso, quem já ouviu falar de A. R. Wallace? Nos limites da originalidade, a glória de um pode decretar a desgraça alheia.

(Comunique-se, 2003)

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